terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Um Caravaggio


Definitivamente eu não sei o que poderia acontecer comigo se eu tivesse a oportunidade de estar diante de um original de Caravaggio. Muito provavelmente eu teria uma síncope. Teriam, talvez, que me arrastar do Louvre, diretamente para o atendimento médico local.
Todos sabemos, Caravaggio inovou a pintura religiosa do século XVII porque introduziu-lhe elementos do cotidiano, e ainda nos seus aspectos mais humildes. Alessandra Fregolent, autora do texto do volume dedicado ao Museu do Louvre, na Coleção Folha Grandes Museus do Mundo, informa, inclusive, que esse foi o motivo porque umas carmelitas teriam recusado a obra para a igreja a que se destinava, já que havia ali um realismo pouco hortodoxo da Virgem. Segundo Fregolent, o clero não compreende a mensagem de perturbadora humanidade transmitida pelo cadáver de uma moça afogada com as pernas descobertas e inchadas.
Eu estou deliciando-me com essa coleção, da qual tenho adquirido alguns exemplares, e isso porque a reprodução dos quadros é acompanhada sempre de um excelente texto descritivo do mesmo, o que resulta num casamento preciosíssimo. Eu fiquei emocionado com a continuação da descrição, vejam se não é mesmo o caso de ficar desejando estar diante do quadro:
A morte da Virgem torna-se uma cena humana de lamento e desespero por parte de um grupo de homens, os apóstolos, e de uma mulher, Madalena. A desolada pobreza do ambiente despojado torna-se solene e magnífica devido ao grande panejamento vermelho. A tensão dramática é altíssima e atinge uma extraordinária concentração de planos e por uma justaposição de grupos, evidenciados pela luz que esculpe os corpos e faz emergir da sombra os aflitos e o rosto da Virgem.

Da minha parte, penso também que essa proposta de Caravaggio, do retrato da morte da Virgem, é assertiva e emocionante porque é uma subversão àquele dogma da ascensão da virgem maria aos céus, sem que tivesse morrido.Penso, como o artista, que a santidade de qualquer mortal só deveria fazer sentido a partir do fato de ele ser mortal.

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